domingo, 2 de novembro de 2008

"E o que está embaixo é como o que está em cima."

Num mundo com vários fins e nenhum começo, ela tentava se encontrar. Estava sentada à janela: fones nos ouvidos, olhos escondidos por óculos escuros e o vento a acariciar o rosto. Não tinha vontade de conversar com os colegas de sala. Nunca tinha. Preferia ficar olhando a linha branca que separava as faixas da pista de rolamento. Nunca comentou com ninguém, mas adorava contemplar aquela linha que a acompanhava durante as viagens e como ela se modificava, ora ficando pontilhada, depois se bifurcando, depois sumindo... mas depois sempre voltando, contínua, branca, persistente. Parecia até convicta de si! Queria ela também ter essa segurança.


De plano de fundo, um sem número de fins de mundo com os quais ela não se conformava. Como podiam ter tantos lugarezinhos tão...? Aquilo a angustiava, precisava de um referencial. Um começo de mundo, um local completo onde se sentiria bem.


Mas era também de um lugar metafísico que ela estava à procura. Não sabia como organizar suas idéias, no que deveria começar a pensar, que conhecimentos deveria acumular, a quê deveria se dedicar. Apesar dos fones, ouvia por cima a conversa dos amigos. Conversavam sobre as futuras profissões, planos para os próximos anos e outras coisas concretas e ordinárias do dia-a-dia. Não devia ela também se entregar a esses assuntos ao invés de implicar com paisagens e preocupações tão abstratas?


Ela até gostaria de mudar, mas mesmo naquelas conversas havia muita divergência e ela não vislumbrava um local seguro. E voltava a se entregar às divagações etéreas. Não achava sentido nessas questões ordinárias. Ninguém ali pretendia fazer grandes mudanças no mundo, nada além de continuar a atividade dos que vieram antes. Então, qual o propósito de se deter nesses assuntos?


Voltou a olhar com tristeza os lugarezinhos que passavam. Como alguém poderia se sentir satisfeito vivendo num lugar desses? Ela não conseguia entender. Aquilo não lhe bastaria, precisaria de mais: mais acontecimentos, mais vivências, mais experiências, mais.... existência. E sentiu um frustrante desejo de crescer e se esparramar e envolver com força o mundo inteiro...


O ônibus começou a desacelerar. Ainda estava pensativa, quando... do nada, estremeceu acometida por um súbito estalido! Uma epifania! Será? Olhou para o sol através das lentes escuras e abriu um enigmático sorriso. Talvez, talvez sentir aquele mal-estar fosse o primeiro passo para se fundir com o universo...